Livros de 2022
8 livros. 3 escritores. 4 escritoras. 1 livro de infografias publicado por uma das minhas revistas favoritas (Delayed Gratification). 1 livro de ensaios. 1 livro de contos. 3 livros de autores favoritos.
O único ponto positivo de só ter acabado 8 livros em 2022 é não ter de selecionar sobre quais escrever:
Um trompete no Uádi de Sami Michael
“Com o seu sorriso egípcio, o avô Elias salientou que as pequenas agruras eram uma dádiva do céu para os pobres.”
Um livro de 1987 com uma história que poderia perfeitamente passar-se nos dias de hoje (o que provavelmente nos deixa com um pouco menos de esperança no mundo).
Huda e Maria vivem com a mãe e avô no quarteirão árabe da cidade israelita de Haifa. São cristãos árabes que vivem entre judeus e muçulmanos numa coexistência que obedece a várias regras para que seja pacífica.
Como habitual neste tipo de histórias, surge alguém que irá perturbar este frágil equilíbrio: Alex, um judeu russo, que toca o seu trompete pela noite fora.
Contudo, o verdadeiro obstáculo para todas as personagens é a falta de liberdade para viverem uma vida sem terem de obedecer a todas essas regras impostas pela sociedade, algo que o conflito israelo-árabe no Líbano (de 1982) veio acentuar.
Uma leitura interessante e actual que me fez lembrar Palestina de Hubert Haddad.
The Shadow King de Maaza Mengiste
“Girls die from many causes: childbirth, illness, disease, men.”
“Here is the truth he wants to ignore: that what is forged into memory tucks itself into bone and muscle. It will always be there and it will follow us to the grave.”
Maaza Mengiste conta-nos a história da invasão da Etiópia (um dos poucos países independentes em África, à época) pela Itália, em 1935. A segunda guerra italo- etíope prolongou-se por vários meses, nos quais os guerrilheiros etíopes resistiram às forças italianas. Para garantir a vitória, o exército italiano recorreu ao uso de gás mostarda lançado indiscriminadamente sobre combatentes e civis. A ocupação durou pouco mais de 6 anos, mas deixou marcas permanentes.
Apesar de ser uma obra de ficção, Hirut, a orfã que começa como criada e acaba como soldada a combater contra os italianos, é inspirada em várias mulheres-soldado, incluindo a bisavô da autora (vale a pena ler o texto de Maaza Mengiste sobre as mulheres esquecidas desta guerra). A guerra é quase sempre contada do ponto de vista dos homens, pelo que este livro trouxe-me uma nova perspectiva que, mesmo passados alguns meses da sua leitura, ainda me acompanha.
Todas as almas de Javier Marías
“Sempre me pareceu um excesso de ingenuidade pensar que alguém - porque nos ama, isto é, porque sozinho decidiu amar-nos transitoriamente e depois no-lo anunciou - se vai comportar connosco de um modo diferente daquele que vemos comportar-se com os outros, como se nós não estivéssemos destinados a ser os outros logo após a solitária decisão e o anúncio do outro, como se na realidade não fôssemos sempre também os outros além de nós.”
"Es extraña la intensa pena por la muerte de quien no he conocido más que por sus obras..." Carlos Hortelano escreve exactamente o que senti ao saber que Javier Marías tinha morrido. Uma imensa pena por saber que um escritor de quem gosto tanto desaparecera.
Marías escreve como poucos sobre a alma humana, as desilusões e o (des)amor. É capaz de nos convencer num prólogo que não é a personagem dos seus livros, ainda que também tenha sido um espanhol em Oxford, professor e coleccionador de livros antigos.
Os livros dele mantêm-me presa, não pela história nem mesmo pelas personagens, mas pela qualidade da escrita, pela poesia presente nas suas divagações. Voltarei a Marías em breve.
Drive Your Plow Over the Bones of the Dead de Olga Tokarczuk
“I have always believed that Astrology should be learned through practice. It is solid knowledge, to a large extent empirical and just as scientific as psychology, let’s say.”
“Nobody takes any notice of old women who wander around with their shopping bags.”
Já tinha lido Viagens, e por isso não esperava este livro. Bem, na verdade não sei o que esperava, mas talvez não contasse ficar tão encantada com a história de uma mulher de 60 e tal anos, que vive no meio da floresta entre a Polónia e a República Checa, sagaz observadora do comportamento humano e que se guia pelos astros para tentar descortinar vários crimes. O encantamento quase me fez esquecer que sendo ela a contar-nos a sua história, é provável que não seja a mais fiável das narradoras, especialmente porque ninguém presta atenção a uma velha mulher, amante de animais e criadora de mapas astrais.
Olga continua a ser uma das minhas autoras favoritas, ainda mais depois deste livro.
An Answer for Everything: 200 Infographics to Explain the World de Delayed Gratification
Desde que me lembro, gosto de mapas e infografias. Só recentemente descobri que há uma área de estudo totalmente dedicada ao tema (visualização de dados). Ainda mais recentemente, comecei a usar a visualização de dados (e os mapas e as infografias) como parte do meu trabalho de analista de relações internacionais.
A Delayed Gratification é uma das melhores revistas para quem gosta de analisar o mundo com calma. São, aliás, os criadores do movimento de slow journalism, jornalismo lento, com tempo para analisar os detalhes do que se passou e passa no mundo. Estas 200 infografias, no estilo característico da revista, tratam temas sérios (como conflitos) e menos sérios (quem foi o melhor 007?) e têm sido uma inspiração para o meu trabalho.
Lisboa Reykjavík (O Silêncio do Mar) de Yrsa Sigurdardóttir
“…or they died by some other means.”
Quem me conhece pessoalmente sabe que gosto particularmente de séries criminais (com uma predilecção pelo Father Brown). Ainda assim, este foi o meu primeiro livro da autora islandesa, prolífica escritora de romances policiais.
Posso, desde já dizer, que dificilmente travaria amizade com Þóra Guðmundsdóttir, a advogada que tenta descobrir o que se passou com a família desaparecida do iate de luxo. A viagem começou em Lisboa, em circustâncias não planeadas, e terminou em Reiquejavique, com um iate vazio. Apesar da falta de empatia com Þóra (Thóra), esta história consegue prender a atenção, com peripécias não tão óbvias e um final bastante negro.
Certamente voltarei a ler Yrsa, provavelmente uma das suas outras séries, com uma detective com dilemas menos enfadonhos.
Contos de Vapor de Carlos Ruiz Zafón
“Siempre he envidiado la capacidad de olvidar que tienen algunas personas par alas cuales el pasado es como una muda de temporada o unos zapatos viejos a los que basta condenar en el fondo de un armario para que sean incapaces de rehacer los pasos perdidos.”
À semelhança do que aconteceu com Javier Marías, senti que um conhecido tinha partido quando soube da morte de Carlos Ruiz Zafón, em 2020. Descobri o seu livro “A Sombra do Vento” quando vivia em Maastricht, em 2009. Sempre me fascinei por histórias sobre histórias, sobre livros. Esta não foi excepção. Fui acompanhando a saga ao longo dos quatro livros, e agora, com esta colecção de contos senti que voltei a um tempo feliz, mesmo que as histórias sejam tudo menos evocativas de um tempo feliz. A Barcelona da guerra civil, do pós guerra, de sombras e vapor, de dor e memórias, de anjos, está presente em todos contos, numa última homenagem ao seu escritor.
Notes to Self de Emilie Pine
“I am trying. And I am afraid. I am afraid to write about side-stepping and feelings and overwork and depression and breakdown because I am still convinced that admitting vulnerability makes me weak, not strong. I am afraid of confirming that I am young and cute and powerless. I am afraid of admitting to all the hard stuff, all the bad stuff, all the unlikeable stuff. I am afraid of exposing myself. I am afraid of being pitied. Of being resented. Of being shouted at. I am afraid of being the disruptive woman. And of not being disruptive enough. I am afraid. But I am doing it anyway.”
Oferecido por uma amiga, este era um daqueles livros sobre os quais não tinha qualquer expectativa. Revelou-se um em que, certamente, pensarei várias vezes. Estas notas são pessoais, sobre a sua infertilidade, sobre o divórcio dos seus pais, sobre as suas relações, mas estão escritas de tal forma que me permitiram também reflectir.
Identifiquei-me, acima de tudo, com o ensaio final: ter medo de falhar, tentar, falhar, navegar o mundo como mulher (com as suas particularidades, nem melhores nem piores, mas diferentes e complexas). Ter medo de ser vista como perturbadora, de não ser suficientemente perturbadora. Ter medo, mas fazê-lo na mesma. Nada de novo, mas uma boa reflexão para este início de 2023.